23 de julho de 2020
Pandemia: quais contratos podem ser rescindidos sem o pagamento de multa?
Maria Eduarda Cavalcante
A pandemia causada pelo novo coronavírus impôs uma série de mudanças sociais, mas principalmente econômicas, políticas e jurídicas. Mais do que o isolamento social, o chamado novo normal também mudou as relações civis e de consumo. Se antes não era possível a rescisão de alguns contratos, por exemplo, no período extraordinário da Covid-19 é possível a rescisão sem o pagamento de multas.
Basicamente, as partes contratantes que se sentirem lesadas por terem que parar suas atividades, modificar sua rotina para poderem, enfim, cuidar do bem maior que é a saúde, podem recorrer ao Judiciário para requerer a revisão ou até mesmo a rescisão contratual. Um dos casos mais emblemáticos são as negociações imobiliárias, em especial, os contratos de locação de imóveis.
Esse tipo de relação contém previsões no Código Civil por meio das chamadas teoria da imprevisão e teoria da onerosidade excessiva, temas que se encaixam perfeitamente neste novo cenário mundial para beneficiar a parte mais fraca de uma relação, vítima de desequilíbrio contratual gerado por situações imprevisíveis.
“Com a pandemia muitos setores e a cadeia produtiva foram paralisadas, mas o contrato de locação continua vigente. Como o locatário vai conseguir arcar com os custos já que a sua atividade principal foi interrompida drasticamente? Daí surge a revisão dos contratos, e também a aplicação da teoria da imprevisão e da teoria da onerosidade excessiva, sob o prisma das relações civis”, diz a advogada especialista do escritório Albuquerque & Dias Sociedade de Advogados, Maria Eduarda Cavalcante.
Ainda segundo a especialista, no caso dos contratos residenciais se o locatário não está conseguindo honrar o compromisso quanto ao pagamento das prestações, o melhor conselho é a renegociação do respectivo contrato e não a sua rescisão, já que o momento não é bom para firmar novos compromissos, nem localizar novos locais de moradia. “É possível ainda postergar o pagamento das prestações para os meses seguintes, desde que previamente conversado com o proprietário do imóvel. No caso de um empreendimento para fins comerciais, é possível procurar a Justiça para rescindir sem pagar multa, mas também revisar, diminuir, negociar a dívida”, explica.
“No caso dos contratos comerciais, o contratante aluga um espaço com o objetivo e planejamento de executar uma determinada atividade, mas com o surgimento da pandemia viu-se obrigado a paralisá-la, por motivos jamais imaginados, portanto imprevisíveis. A teoria da imprevisão diz justamente isso, que, por mudanças nas circunstâncias fáticas vigentes à época da contratação, houve manifesta desproporção entre o valor da prestação pactuada e o momento atual da sua execução. Agrava ainda mais a situação porque o contratante não está mais auferindo a mesma renda, tornando-se o contrato extremamente desvantajoso para ele e extremamente vantajoso para o locador, pois está alugando um imóvel sem sua efetiva utilização”, explicou a advogada.
A orientação nesses casos é tentar renegociar ou, em situações mais drásticas, rescindir os contratos. “Muitos estão adotando essa medida, porque não estão conseguindo arcar com o valor do aluguel”, disse a especialista.
PROJETO
Tramita atualmente o Projeto de Lei nº 1179/2020, parcialmente aprovada pelo Plenário (Lei 14/010/2020) que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial Transitório das Relações Jurídicas de Direito Privado (RJET).
Dentro desse projeto de lei, existe um artigo que prevê a suspensão das concessões liminares de ações de despejo durante a crise pandêmica, até 31 de dezembro de 2020. No entanto, ocorreu o veto presidencial, sob o fundamento de que contraria o interesse público ao suspender uma das medidas de coerção ante a falta de pagamento das prestações do contrato de locação, a proteção excessiva ao devedor, além de incentivar o inadimplemento das obrigações.
Mesmo após o veto do Presidente da República, Jair Bolsonaro, o veto ainda pode ser derrubado pelo Congresso Nacional, desde que em sessão conjunta, com maioria absoluta de votos das duas Casas.
Na contramão do veto presidencial, o judiciário, em atenção ao contexto da crise atual, inclina-se para o indeferimento dos pedidos liminares de despejo ou ao menos determinando a suspensão do seu cumprimento.